Texto Imperfeito - Bárbara Apaixonada

sexta-feira, 8 de outubro de 2010 às 8:08 AM
Quando Bárbara me disse que estava apaixonada, estava muito frio na nossa rua. Os céus se abriram de repente, quando ela cantou a frase "Romano, meu amigo, estou apaixonada". Nunca havia a visto daquela forma, sempre taciturna, crítica, de humor diabólico e ranzinza. Muito ranzinza.

Semanas depois, a vi comendo quindim. Sempre repudiou todos os elementos da gastronomia que fossem amarelos: Milhos, gemas de ovos, queijos - ela tinha um ódio particular por queijos - massas e também não poupava as frutas: abacaxis, bananas, melões etc.

-"É presente dele" dizia ela, plácida e com um sorriso de quem flutua nas núvens. Estava tão desligada que mal percebera que o tal rapaz errara feio na escolha do mimo. Depois de 10 segundos, percebi, pelo estado de espírito da minha querida Bárbara, que o homem poderia lhe dar um vidro da mais amarela, amarga e fétida mostarda que ela ainda sim sorriria, e comeria a colheradas aquele codimento outrora por ela detestável.

Dias se passaram e não ouvia mais falar de Bárbara. Lembro-me de que foram dias de silêncio e sol, um sol forte e impiedoso, que açoitava a nossa pele ferozmente. Foram dias quentes, como os dias de todas as paixões devem ser, dias onde não existe razão, não existe problema e nada é metódico. Os carros flutuavam, as pessoas voavam e os pássaros cantavam Fígaro. Não via Bárbara, mas sabia que ela estava ali. Tudo era colorido, quente e emocionante. Tudo era imortal, como toda paixão prega que seja.

Em uma tarde de quinta, começa a chover. O calor permanecia, mas a chuva, de forma direta e como chavão, tirava as cores das paredes. O asfalto agora era um pântano inconveniente, onde as pererecas descontroladas entravam pelas calças dos homens e subiam os vestidos das moças insandecidas. Pela primeira vez em semanas vi Bárbara. Ela estava na esquina de nossa rua. Não via sinal de lágrimas em seu rosto. As lágrimas de uma paixão não podem se esconder na água de chuva. Seria impossível e absurdo esconder sentimento tão vivo!

Na verdade, Bárbara estava de olhos fechados. Não havia expressão no rosto que viria a significar algo para mim ou para quem mais a visse ali. Mas lá estava ela, parada, molhada, boquiaberta, consumindo a chuva de água quente. Era seu desejo bebê-la por inteiro e era dela, a chuva era apenas dela. E lá ela ficou, suportou toda a chuva em seu corpo como um condenado suporta as chicotadas de um capataz, as chicotadas do amor utópico.


Mais dias se passaram sem que eu pudesse ver Bárbara, sem que pudesse me deparar com ela saindo de sua casa. Quando acordei, pude ver novamente a neblina que cerca e sempre cercou nossa rua. Aquela era a velha Bárbara. A minha querida, taciturna, crítica, diabólica e ranzinza, muito ranzinza e agora decepcionada e triste Bárbara.


E voltei a sorrir.

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